Dia 27/05 tem conversa com o autor. Confira a entrevista do Prof. Candido Vieitez!

Postado por Mariana da Rocha em

Candido Giraldez Vieitez, autor do livro REFORMA NACIONAL DEMOCRÁTICA E

CONTRARREFORMA NO ABC PAULISTA 1956-1964, concedeu uma entrevista para a Editora Lutas anticapital.

Ele estará conosco no Conversa com o autor do dia 27/05, na próxima quinta feira, às 19h30, no canal da Editora Lutas anticapital. Venha participar conosco!


Qual foi a motivação para escrever este livro?

Eu tinha ingressado no doutorado (PUC SP) e tinha que desenvolver um tema.  Isso foi no primeiro lustro dos anos 1980.

Foi um momento em que uma energia política renovada foi tomando conta do espaço público. Então, o denominado ABC paulista ganhou destaque. Mas, de fato só se falava de São Bernardo do Campo, Lula, o “novo sindicalismo” e o PT. A pesquisa social progressista só falava disso, e como essas novas forças estariam ultrapassando os vícios anteriores, notadamente os grandes defeitos do sindicalismo denominado “corporativo”, bem como, do partido comunista (PCB e PC do B).

                Bem vistas as coisas, essa vertente político-popular do ABC paulista era muito pouco conhecida, mesmo entre os estudiosos. E a pesquisa que ia acontecendo por essa época estava toda centrada nas novas forças, em São Bernardo, vale dizer, em tudo que de algum modo estava ligado ao PT e ao “novo sindicalismo”.

                Eu mesmo fiz o primário, o ginásio e o colégio em São Caetano do Sul. E na escola nunca ouvi falar do movimento operário do ABC, o que mostra o caráter geral abstrato do ensino escolar.

                Entretanto, pouco antes de 1964, eu trabalhei em Santo André, na Companhia Rhodia, uma multinacional francesa do ramo têxtil. E tinha uma memória das greves realizadas ali, e também da massa de trabalhadores se manifestando pelo centro de Santo André. Isso pouco antes do golpe militar.

                Então, observando um pouco as características da região – um dos primeiros núcleos industriais do país- formulei a hipótese de que ali tinha que haver necessariamente uma tradição de organização e lutas operárias.  E quando passei a estudar a região, já a partir dessa hipótese, bingo, não tardei para me deparar o movimento operário, o qual, de fato, remontava ao fim do século XIX. Só que havia uma peculiaridade, antes da instalação da indústria automobilística em SBC, o centro da vida no ABC estava em Santo André, o que é válido também para o movimento operário. Por exemplo, antes da ditadura, o sindicato dos metalúrgicos era o mais importante da região, e o sindicato dos metalúrgicos englobava todo o ABC.

 

Qual a importância de publicar novamente seu livro, que é fruto da sua tese de doutorado defendida em  1984 e que foi publicado inicialmente em  1989?

                A primeira edição foi publicada pelo Departamento de Cultura da Prefeitura de Santo André. E depois o trabalho ganhou um prêmio tipo “honra ao mérito” da Câmara Municipal de Santo André.

                A sociedade burguesa de hoje, radicalizando suas tendências regressivas, está tratando de reduzir a educação escolar aos elementos mínimos elementares que são vitais para o funcionamento do capital, vale dizer, o ensino das habilidades alfanuméricas (matemática e língua pátria) algo de ciências naturais e praticamente nada de humanidades. E de modo complementar, o ensino técnico estritamente especializado, de nível médio ou superior.

                Penso que, em antítese a essa tendência, o estudo multifacetado (ciências naturais e humanas, língua e artes) é importante para os trabalhadores.  E no terreno específico do movimento operário e popular, o estudo da história, do materialismo histórico, das tradições do movimento, de suas realizações ou fracassos, é vital para que esse possa avançar, para que possa aprender com as experiências do passado. Então, acho que é importante que o os trabalhadores em geral saibam que, antes do aparecimento do “novo sindicalismo” e do Partido do Partido dos trabalhadores, por exemplo, houve uma rica tradição de movimento operário na região. Na verdade, a própria formação dessas forças e sua emergência ainda no âmbito da ditadura, está organicamente ligada à tradição anterior.   Talvez o seguinte exemplo seja suficiente para imaginarmos isso. É conhecido que o Frei Chico, um dos irmãos do Lula, foi importante para a formação política e sindical do ex-presidente. Pois bem, o Frei Chico foi um líder sindical importante formado na tradição que esteve muito presente nos anos 1950-1960. Mas, que também atuou no período em que o PT e o “ novo sindicalismo” estavam em ascensão – entre outras atividades presidiu o sindicato dos metalúrgicos de São Caetano do Sul.  

O senhor procura mostrar que o PCB de Santo André, naquele momento histórico, tinha grande influência no campo cultural, social, político em geral da cidade. Ele chegou a exercer a hegemonia sob a classe operária?

                Acho que hegemonia, seja no sentido leninista ou gramsciano, é forte demais. O PCB tinha um contingente pequeno de militantes e quadros. Mas, ele chegou a ser significativamente influente no movimento operário e popular.  Acho que essa influência foi possível porque as diretrizes mais ou menos atendiam também as posições do Partido Trabalhista Brasileiro e do Partido Socialista (este de pequena influência). Ademais, muitos quadros sindicais “independentes” também compartilhavam a ideia de revolução brasileira como uma etapa de reformas (reforma agrária, urbana) e de aprofundamento da democracia burguesa.

Qual foi o impacto do Golpe em Santo André?

                O impacto, se é que podemos dizer isso, foi incrível no sentido de que praticamente não houve reação. A classe trabalhadora manteve-se inerme, e as tentativas feitas, por exemplo, por Marcos Andreotti  (renomado líder sindical do período) e de alguns elementos da Igreja progressista para levantar o proletariado deram em nada.  

4-) Por que foi tão “fácil” dar o golpe no Brasil?

                Olha essa é uma pergunta muito grande e complexa, e eu não me atrevo a montar uma equação a respeito disso aqui. O que pude observar quando pensei sobre esse problema no tempo em que realizava a pesquisa, é que embora muitos quadros e lideranças da esquerda - falando em geral – acreditassem que se vivia à época uma “crise revolucionária” no país, isso não correspondia aos fatos. Certamente houve um aumento da organização e uma intensificação das mobilizações em âmbito nacional e, também no ABC. Mas, isso no meu modo de ver estava a muita distância de poder ser configurado como uma “crise revolucionária”. Além disso, parece que foi subestimada a capacidade de intervenção do imperialismo. Aliás, parece que isso também aconteceu recentemente aqui mesmo, com a deposição de Dilma e a demonização da esquerda. O que de resto aconteceu e continua a acontecer por toda a América Latina, como o recente golpe contra Evo Morales na Bolivia, a deposição do bispo Lugo no Paraguai e por aí afora.

É possível traçar algum paralelo entre a atuação do PCB nos anos 1950-1960 e do PT no período de “redemocratização”?

                São duas organizações muito diferentes. O PT incialmente esteve apreciavelmente ligado à classe trabalhadora. E alguns de seus quadros chegaram a flertar com a ideia de socialismo, ainda que esse fosse bem cor de rosa. Mas, rapidamente se transformou numa variante tupiniquim de partido socialdemocrata.

                O PC nunca deixou de ser um partido comunista, ainda que sua visão de revolução brasileira à época pudesse estar equivocada, e acho que em parte estava. Concretamente, na minha visão, em parte devido a uma análise deficiente da revolução burguesa no Brasil, ele não conseguiu articular uma posição revolucionária, o que deve ser a essência de qualquer partido comunista, com as reformas pelas quais é necessário lutar imediatamente na vida concreta da nação. A justa articulação da meta visando a revolução social com as lutas por reformas imediatas, é o que possibilita ao partido ser orgânico às massas, isto é, abster-se das tentações de revolucionarismo  abstrato ou retórico.  No entanto, é preciso reconhecer que realizar essa articulação não é tarefa simples.

                De qualquer modo, acho que tanto o PT quanto o PCB acreditaram demais nas virtudes da denominada democracia burguesa, desestimando a importância do imperialismo e da natureza de classe da burguesia, uma vez que para esta, como a história o vem mostrando à saciedade, a democracia não vale trinta moedas.  

Poderia falar rapidamente sobre sua trajetória de pesquisa e militância do PCB?

                Fui simpatizante do PCB, e nos anos 1980 membro de base por uns anos. Esse fato me propiciou certa facilidade para entrevistar militantes ou ex-militantes do Partido no ABC, particularmente em Santo André onde tudo se concentrava. Mesmo assim, nesse terreno a realização da pesquisa foi dificultosa porque ainda estávamos no tempo da ditadura.

                Já próximo à volta ao Estado de Direito o partido entrou em crise e se desarticulou em grande parte devido à repressão feroz promovida pelo governo Geisel, interessado em que os comunistas não tivessem chance de recuperar sua antiga influência quando o país voltasse à democracia.

                Hoje em dia, pelo que me consta, o partido reitera enfaticamente sua tradição comunista e está tratando de reerguer-se.  

Poderia explicar pro leitor a escolha da foto da capa?

                A foto da capa é um quadro de Guido Poianas. Poianas foi um dos militantes históricos do Partido em Santo André e no ABC.  Ele ganhou a vida como pintor na construção civil. Entretanto, era também um artista pictórico que legou à posteridade uma obra plástica significativa, especialmente para a região.

                Foi muito ligado ao Centro Popular de Cultura dos sindicatos dos metalúrgicos, aos teatros locais para os quais costumava fazer cenários e outras atividades artísticas.

                Em certo momento foi deslocado pelo PCB para o Oeste Paulista, região de Marília, Garça, etc., onde juntamente com outros companheiros do ABC, permaneceu vários anos ajudando a organizar sindicatos rurais.

                Guido Poianas era praticamente um autodidata. Mas, era um homem apaixonado pela pintura, pelas artes, pela cultura em geral. Ele muito valorizava a educação, inclusive a formal, escolar, e nas conversas que mantive com ele, sempre lamentava as imensas dificuldades que a classe operária tinha para se educar. Na visão dele, isto era assim mesmo quando os trabalhadores tinham a possibilidade de frequentar a escola, o que ocorria em função das deficiências desta e de suas características conservadoras. A classe trabalhadora, suas organizações, suas lutas, nunca estão presentes na escola. E nas poucas vezes em que esse assunto é mencionado é sempre de forma negativa.

                Essa carência, segundo ele, atingia também os quadros do movimento, uma vez que esses nem sempre valorizavam devidamente a cultura. Uma historieta com a qual encerro estas considerações ilustra de modo até pungente o ponto de vista de Poianas.  Já sob o regime “democrático” fui visitar a legendária sede do Sindicato dos Metalúrgicos, agora, apenas dos metalúrgicos de Santo André. Diversamente do período inicial dos anos 1960, quando Marcos Andreotti, ligado ao PCB, era presidente do sindicato, este estava agora sob a direção de quadros do “novo sindicalismo”. Mas, pelo visto, do ponto de vista cultural as coisas não tinham mudado tanto. O sindicato estava em reformas, e várias pinturas que no passado haviam sido doadas por Poianas ao sindicato, para meu espanto, encontrava-se jogados num canto, ao lado dos escombros da obra, tomados pelo pó.  

                Em suma, e retomando uma questão anterior quanto à significação da reedição do livro.  A burguesia faz muito tempo que deixou de ser uma classe revolucionária, uma classe da Ilustração, e hoje trata por todos os meios de limitar os horizontes intelectuais dos trabalhadores. Diversamente, nós os trabalhadores devemos ter um compromisso com a educação, com uma ampla formação científica e artística, inclusive e especificamente com uma formação que valorize o estudo do materialismo histórico, a história da classe trabalhadora em particular, e em geral a história da humanidade.

 

Candido Giraldez Vieitez, nascido em Tomiño, Galícia, Espanha, é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo - USP. É mestre e doutor em sociologia pela Pontifícia Universidade Católica - PUC de São Paulo, tendo realizado pós-doutorado na Universidade Complutense de Madrid, Espanha. Tem publi[1]cados vários artigos e os livros “Os Professores e a Organização da Escola”, “A Empresa Sem Patrão” e “O Movimento Operário e Campo[1]nês na Abordagem dos Agentes de Segurança do Estado (1946 -1955)”. Dirigiu a Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP campus de Marília. Segue participando do GPOD - Grupo de Pesquisa Organizações & Democracia.