Finalmente um livro de Economia para a classe trabalhadora. Confira a entrevista do autor de Sobre economia, Theo Martins Lubliner

Postado por Mariana da Rocha em

Como surgiu a ideia para a escrita de Sobre Economia?

A escrita do livro é fruto de um conjunto de acontecimentos não-aleatórios, porém não lineares. Ingressei na graduação em Ciências Econômicas no Instituto de Economia da Unicamp em 2006. Escolhi esse curso pois queria compreender os mecanismos econômicos e políticos de funcionamento da nossa sociedade e, claro, porque me graduar em Economia parecia algo que garantiria um bom emprego com um bom salário. Já no primeiro ano, comecei a atuar no centro acadêmico (CAECO), quando passei a formular uma visão crítica sobre o curso. Em 2008, tive contato com a Educação Popular através da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – um projeto de extensão que envolvia trabalho associado e movimentos sociais – o que me levou a amadurecer a crítica quanto ao papel da universidade e do curso de Ciências Econômicas, tanto em relação à forma como ao conteúdo. Dessas reflexões nasceriam minha monografia – sobre o papel da universidade no subdesenvolvimento – e minha dissertação de mestrado – uma crítica ao Instituto de Economia e ao seu currículo de graduação –, ambas orientadas pelo Plínio Sampaio Jr. Em 2019, quando já lecionava no Instituto Federal, o Henrique Tahan Novaes, membro do conselho da Editora Lutas Anticapital, me convidou para escrever um livro de bolso de introdução crítica à Economia para estudantes de ensino médio/técnico, o que foi uma grata surpresa, mas também um grande desafio, já que precisei criar algo novo sem reproduzir aquilo que havia criticado em minha dissertação e atuação no movimento estudantil. Esse livro deu então razão ao início da tese de meu doutoramento – iniciada em 2020 sob orientação do próprio Henrique – que trata da importância da compreensão por parte dos(as) trabalhadores(as) do funcionamento e das diferentes formas de exploração do modo de produção capitalista para o processo de consciência de classe. Portanto, esse livro não está totalmente acabado. Isso porque, apesar de ser o impulso inicial da tese, ele consistirá também, após experimentações e reformulações, em um novo produto.

 

 

Por que a publicação de Sobre Economia se faz relevante?

 

De forma geral, é muito difícil nos depararmos com algum material bibliográfico que seja verdadeiramente didático para “não-economistas”. Mesmo quando se encontra alguma coisa, geralmente, trata-se de um material enquadrado nos limites do que chamo de “consenso mainstream”, que é a delimitação da Economia entre os campos da micro e da macroeconomia, como se elas fossem áreas complementares. Isso pode até parecer didático em um primeiro momento, mas não é. Primeiro porque oculta o processo histórico da construção de teorias econômicas divergentes. Segundo porque empobrece as análises em termos de totalidade e, portanto, de uma compreensão fiel da realidade e de suas contradições. Por outro lado, os materiais críticos – que são bem raros – costumam sofrer de um outro problema: são muito bons ao lidar com os aspectos da exploração direta do trabalho no paradigma fordista/taylorista através do instrumental da crítica da economia política clássica, mas não tratam com o devido cuidado os aspectos indiretos de exploração que se fazem não só na esfera da produção, mas também nas finanças e na circulação das mercadorias, seja no consumo, no crédito, na tributação, na precificação ou mesmo nas políticas econômicas.

 

Existe uma relação entre a publicação do livro e a atual conjuntura política e econômica?

A ideia da publicação não surgiu dessa conjuntura específica. No entanto, a vontade de concretizá-la de forma mais cuidadosa, rigorosa e urgente, sim. Isso porque, diante de governos que apostam na  ignorância do povo – como o governo Temer, que ridicularizou os/as brasileiros/as por não saberem o que significava a sigla PEC de “PEC do Teto” e o governo Bolsonaro que gasta milhões de reais em propagandas para convencer a opinião pública sobre supostas necessidades e vantagens de “reformas” como a da previdência –, mostra-se mais do que urgente os(as) trabalhadores(as) conhecerem os fundamentos básicos da economia para saberem as diferentes formas de exploração às quais estão submetidos(as). Isso não significa que somente agora essa questão é importante. Sempre foi. É que no presente isso está ainda mais claro. Apostar no automatismo do avanço da consciência de classe pelo aumento do consumo ou pela aquisição de uma carteira de trabalho, como fizeram os governos do PT, não passou da repetição de velhas ilusões. As conquistas da classe trabalhadora que sobrevivem ao neoliberalismo são fruto de muita luta coletiva respaldada na consciência de classe e no conhecimento sobre os mecanismos de funcionamento e exploração da economia capitalista. Por isso, na atual conjuntura, Sobre Economia busca ser também uma referência bibliográfica introdutória, mas crítica e sólida sobre o funcionamento geral da economia capitalista para a militância de esquerda não virar refém dos noticiários da grande mídia. Afinal, ainda que seja fundamental, não basta só saber o que é “mais-valia” para vencer a batalha das ideias.

 

 

A “educação financeira” é um conteúdo ou uma temática que tem cada vez mais adentrado os currículos da escola de formação básica. Em que momento você acredita que seria interessante introduzir noções de economia no ensino de jovens?

Acredito que quanto antes melhor. Aliás, mais do que só interessante, aprender Economia é uma necessidade. Hoje já vemos escolas de ensino fundamental ensinando a tal da “educação empreendedora” que nada mais é que introduzir às crianças os valores capitalistas sob a ideologia do capital humano. Ainda que seja esperado que na idade do ensino fundamental as crianças ainda não trabalhem, elas já são formatadas para serem subalternas e obedientes no seu futuro como trabalhadores e trabalhadoras, e para almejarem um espaço no “céu burguês”. Essa disputa precisa ser feita! É importante que o despertar para a consciência de si e da crítica sejam construídas desde a chamada terceira infância. No entanto, Sobre Economia não é o material indicado para essa faixa etária. Para esse público, penso que seria pertinente um material mais lúdico e que dialogasse com o universo infantil e as constelações que o rondam, como o ambiente escolar e o familiar. Sobre Economia foi pensado como uma leitura inicial para um público amplo, mas mais especificamente para aquele que equivale ao ensino de nível médio ou até mesmo para estudantes de primeiros anos do ensino superior. Acredito que a sua linguagem é acessível e o seu conteúdo já dialoga com os problemas percebidos por jovens a partir dessa faixa etária, que começam a compreender sua situação de classe e os desafios do mundo do trabalho.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais reconhecem, além dos temas transversais como Ética, Saúde, Pluralidade Cultural e Meio Ambiente, a temática de Trabalho e Consumo. Como o seu livro contribui para explorar objetivos e conteúdos dessa problemática?

A Economia, apesar de não ser um tema curricular transversal, é tratada de forma dispersa em disciplinas como História, Geografia e Sociologia. Afinal de contas, essa fragmentação das Ciências Sociais não possui uma linha divisória totalmente definida e uma análise sólida da realidade depende da interlocução entre essas áreas que possuem objetos específicos. No entanto, a meu ver, a Economia é tratada de forma insuficiente e deveria ser uma disciplina de currículo mínimo. Se isso ainda não é uma realidade, os temas da Economia podem e devem ser tratados nas temáticas de Trabalho e Consumo já que são razões econômicas que condicionam as transformações da relação capital-trabalho e das formas do consumo. Dificilmente os temas Trabalho e Consumo serão tratados com seriedade sem se compreender alguns dos conceitos básicos da Economia como valor, preço, salário, lucro, moeda, inflação, taxa de câmbio, que são exatamente os tópicos que compõem a primeira parte do livro.

 

Quais foram as estratégias adotadas no livro para melhor explicar conceitos tão particulares e por vezes “abstratos”?

O primeiro desafio foi a escolha do conteúdo. Obviamente, um livro de bolso não poderia dar conta de todos os assuntos da Economia, por mais importantes que eles fossem. A seleção dos tópicos foi feita com base nos aspectos mais fundamentais e naqueles que dialogassem mais com o cotidiano dos interlocutores. É importante ressaltar que esse livro é fruto de experimentação em sala de aula. Ele não é um monólogo, e sim o resultado de reflexões sobre a prática docente, o que faz toda a diferença. O segundo desafio foi tentar “traduzir” conceitos abstratos. Esse, na verdade, é uma obrigação. Afinal, de que vale a abstração se não para ajudar na compreensão do real? Os exemplos próximos à realidade dos interlocutores ajudaram. Contudo, seu uso foi feito com moderação, já que os exemplos também são traiçoeiros, pois podem tornar uma ideia que é geral em algo muito específico e particular. Tão importante quanto o conteúdo é a forma. Sem abrir mão do texto corrido para a leitura – que julgo ser um processo fundamental para a compreensão e a maturação teórica – busquei adotar outras formas de comunicação, como as “tirinhas”, elaboradas e produzidas por Daniel Moreira – que tem experiência na docência de jovens de diferentes idades –, e na indicação de filmes e documentários. As tirinhas são um convite inicial à reflexão do texto que está por vir em cada tópico. Por isso, é interessante não só o exercício de tentar compreendê-la antes da leitura, mas também o retorno para uma nova interpretação ao final. Creio que a arte e a comunicação audiovisual são instrumentos indispensáveis para correlacionar a teoria com uma realidade não vivida, seja por uma diferença histórica e/ou geográfica. Nesse momento em que as pessoas leem cada vez menos livros e assistem cada vez mais vídeos na internet, não devemos reforçar ainda mais essa troca, mas precisamos utilizar esses produtos audiovisuais e outras formas de arte para trazê-las de volta à leitura, o principal alicerce da compreensão teórica para reflexões críticas.