O livro que Emyly Kathyury Kataoka traz a público pela Editora Lutas Anticapital tematiza uma das questões mais delicadas, complexas e pouco discutidas na recente história da educação no Brasil. O fato de que as ideias e concepções sobre democratização da educação, da escola e da gestão escolar expressam e são emanadas das concepções teóricas e políticas do chamado campo democrático e popular possibilitou que as mesmas, ao longo dos anos de 1980 e 1990, penetrassem profundamente na linguagem e nos costumes, tornando-se senso comum. Porém, como senso comum, tais ideias foram também se desgastando na medida em que as forças que as sustentavam transformavam-se substancialmente, afastando-se da luta pelo socialismo e pela transformação radical da sociedade. Assim, palavras de ordem como “escola pública e popular”, “gestão democrática da escola”, “democratização da educação”, entre outras, ficaram tanto mais ubíquas quanto porosas, ainda que quase inquestionáveis, o que permite que sejam defendidas hoje por diferentes sujeitos políticos coletivos que nem sempre estão comprometidos de forma orgânica, moral a intelectualmente, com essas mesmas causas e suas consequências políticas e sociais. O que explica que essas ideias tenham conquistado tamanho consenso e, ao mesmo tempo, sejam hoje tão artificiais, furtivas e ordinárias?
Enquanto desmoronam os direitos sociais historicamente conquistados pelos trabalhadores e as bandeiras e concepções democrático-populares de educação e de escola, construídas em décadas de embates políticos e ideológicos, se veem atacadas e fragilizadas diante do avanço das forças da extrema direita associada ao neoliberalismo mais devastador, propor um inventário crítico desse campo e dessas ideias parece uma irresponsabilidade, um contrassenso ou uma loucura.
Ao contrário disso, no entanto, é com muita lucidez, seriedade e convicção que Emyly levanta esse debate na tentativa de evidenciar que muito do caráter destrutivo das políticas sociais e educacionais hoje levadas à cabo por governos e forças ultraliberais se assentam, entre outras coisas, na falta de autocrítica das experiências estatais dos governos democráticos e populares, nas suas (re)orientações teóricas e políticas, suas opções táticas, alianças, concessões e compromissos.
Trata-se de uma pesquisa relevante e necessária quanto ao polêmico debate que procura enfrentar e que segue muito atual, sobretudo em um contexto de necessária renovação das lideranças políticas, de revisão crítica da ação e organização dos partidos e das opções ético-políticas consideradas de “esquerda”. As organizações dos trabalhadores precisam, sob pena de maiores derrotas, recriar e fortalecer suas táticas de luta sem sucumbir aos encantos do poder fácil e das alianças sedutoras que destroem as iniciativas originais dos setores subalternos.
Diante disso, refletir criticamente sobre a direção das lutas e os embates que escolhemos travar enquanto classe é extremamente importante. Eis o que Emyly faz nesse livro. Fiel à proposição de Gramsci de que devemos questionar a concepção de mundo da qual fazemos parte como primeiro passo do “conhece-te a ti mesmo”, ela enfrenta o desafio de inventariar as lutas no campo educacional, contribuindo para a realização de uma necessária e urgente autocrítica do período histórico do qual somos herdeiros.
Sugiro fortemente a leitura, mas já adianto que Emyly não faz concessões, portanto, é um texto duro, rigoroso, profundo, que desafia o leitor a interrogar suas mais profundas convicções, exigindo, muitas vezes, sangrar a própria carne.... Contudo, o presente histórico é decisivo: ou damos um passo atrás e fazemos um sério, racional e criterioso inventário de nossas lutas, de seus avanços, recuos e retrocessos, para então podermos avançar dois passos à frente na organização e fortalecimento dos trabalhadores em sua batalha contra o capital, ou estamos definitivamente fritos. Profa. Dra. Luciana Pedrosa Marcassa - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
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Sumário
Apresentação | Luciana Pedrosa Marcassa
Prefácio | Ricardo Scopel Velho
Introdução
1. O Campo Democrático e Popular como Fenômeno Histórico
1.1 A Constituição do Campo Democrático e Popular
1.2 Os Subsídios Teóricos do CDP: uma crítica ao ciclo anterior
1.3 Do Socialismo Democrático à Democracia de Cooptação e Apassivamento
2. Estado, Democracia e Educação
2.1 O Caminho de Marx para a Problematização do Estado
2.2 O Estado e os Limites da Emancipação Política: a defesa da emancipação humana
2.3 Os Marcos da Democracia Burguesa
2.4 O Estado Classista e a Necessidade de sua Destruição
2.5 A Educação na Formação Social Capitalista e a Luta da Classe Trabalhadora
3. A Produção Teórica da Educação: construção da alternativa democrática
3.1 Década de 1980: a busca de novas possibilidades de interpretação da escola e do seu papel social
3.2 Década de 1990: precarização do trabalho, destruição de direitos e construção do pacto social
3.3 Bases Teóricas do Ideário Democrático e Popular na Educação
4. O Ideário Democrático e Popular na Educação
4.1 As Mobilizações no Campo Educacional
4.2 Partido dos Trabalhadores: o papel da educação na EDP
Considerações Finais: entre o velho e o novo
Referências
Sobre a Autora
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Ano de lançamento: 2024
635 páginas
Tamanho: 16x23
ISBN: 978-65-85404-78-5